A guerra no Oriente Médio entre Israel e a milícia libanesa xiita do Hezbollah já entra na quarta semana e se percebe que a grande mídia internacional começa a retirar o relevo inerente ao assunto, como faz em relação aos casos inconclusos que o passar do tempo transforma em "comuns", embora o conflito esteja longe de ser ordinário e seja vital, não só para Israel mas também para o futuro global e a diplomacia internacional do nível mais elevado. Quando as forças armadas israelenses atacaram o Hezbollah, em 12 de julho, em decorrência da incursão da milícia fundamentalista que controla o sul do Líbano ao território israelense, invasão que culminou com o seqüestro de dois soldados das IDF e a morte de outros oito, a posição diplomática de Israel era inatacável. Afinal, seu território fora invadido e bombardeado por forças irregulares baseadas em território libanês, que mataram e raptaram soldados de Israel, numa clara infringência a todas as normas internacionais de convivência entre Estados, embora o Hezbollah não represente qualquer Estado e, portanto, não integre a ONU, o que ainda mais ratifica e amplifica a justeza da ação defensiva e retaliatória que foi empreendida por Israel contra um "exército" renegado e considerado terrorista pelo Ocidente. Até mesmo países árabes, de governos moderados, como o Egito e a Jordânia, além da Arábia Saudita da dinastia Saud, e do próprio Líbano, permaneceram calados, até mesmo apoiando discretamente a ação do Estado judeu (que, diga-se, vinha também em apoio a seus atuais interesses governamentais particulares, escamoteados às suas respectivas populações devido ao risco de inflamação do orgulho, complexo de inferioridade das massas permanentemente subjacente a tudo que diz respeito ao mundo exterior -vale dizer, ao Ocidente- e ressentimento árabes, cuja eclosão poderia ser desastrosa para os grupos no poder nesses países. Pois, apesar de os iranianos, profundamente envolvidos no
affair, não serem árabes, os milicianos guerrilheiros do Hezbollah o são e, a par deste fato, a milícia participa do Parlamento libanês e gere extensa rede de serviços sociais e de comunicação espalhada por todo o Líbano, o que sempre garante a boa vontade de boa parte da população libanesa e, por extensão, árabe).
O teor dos comentários iniciais sobre o conflito dos jornais
Al Ahram, do Egito,
Jordan Times, da Jordânia, e até do
Daily Star de Beirute, e da altamente censurada e oficiosa imprensa saudita, confirmam a assertiva anterior.
Entretanto, a continuação da iniciativa militar israelense, ainda sem ponto de saída, e o extraordinário sofrimento imposto à população civil libanesa (da qual 25% já se transformaram em refugiados de guerra) pela estratégia bélica adotada por Israel, ou seja, pelo emprego pesado dos ataques aéreos a toda a infraestrutura libanesa (em contraposição à alternativa de guerra terrestre maciça limitada à faixa sul do Líbano até o Litani), em todos os pontos do diminuto território do Líbano, transformaram os termos da equação. Agora a grita é geral nos países árabes citados. E na União Européia e na ONU, que exigem o cessar-fogo imediato e pressionam o governo Bush a colocar rédeas no ímpeto israelense de desenraizar a ameaça xiita libanesa. Alguns especialistas já atribuem o presente "impasse" à estratégia militar israelense "errada", enfatizada no emprego do poder aéreo, e advogam sua imediata revogação, em prol de campanha terrestre avassaladora e imediata no sul do Líbano, com apoio marginal da aviação, para a expulsão total do braço armado do "Partido de Deus" para o norte do rio Litani, como última oportunidade para que Israel emerja do conflito com algum resultado diplomático positivo.
As últimas tropas sírias deixaram o Líbano em abril de 2005. De lá para cá, todavia, a milícia do Hezbollah tem fortalecido cada vez com mais ímpeto sua identidade de ponta-de-lança do Irã, dedicada à exacerbação da confrontação do Islã com Israel e o Ocidente.
Quanto à consecução de uma paz na presente conflagração, ou melhor, de um cessar-fogo no mais curto espaço de tempo possível, os passos a seguir delineados devem, em minha opinião, ser tomados de imediato, sem esquecer, entretanto, a inserção, no desenho diplomático mais amplo, da teocracia perturbadora iraniana e da ditadura síria de Assad, apoiadores declarados e confessos de Nasrallah.
Pela Resolução 1559, os membros da ONU aceitaram a responsabilidade de "restaurar" a plena soberania ao governo reconhecido do Líbano, que foi esfacelado pela guerra civil e posteriormente subjugado como protetorado da Síria. A hora, portanto, de os componentes das Nações Unidas adequarem seus atos às palavras empenhadas, e de efetivamente agir, chegou.
Para começar, a UNIFIL (a força multinacional interina da ONU que vem "supervisionando" os vários cessar-fogo desde 1978) deve ser totalmente descartada, pois revelou ser absolutamente incapaz, por várias razões, de cumprir, minimamente que seja, os objetivos que lhe foram atribuídos pela organização internacional, resultando em um fracasso desmoralizante. De fato, não conseguiu impedir os ataques do Hezbollah ao território israelense desde 2000, quando Israel unilateralmente se retirou do sul do Líbano.
A nova força expedicionária multinacional deve ser muito maior e mais forte, com pelo menos 20000 combatentes bem armados e motivados, e com poderes importados do Capítulo VII da OTAN que lhe permitam a imposição da paz no caso de violação do acordo pelo Hezbollah ou por Israel.
Ela deve estar preparada para permanecer no Líbano meridional até que o fraco governo libanês detenha condições de desarmar a milícia islâmica ou de absorvê-la em suas forças armadas regulares, sujeita aos ditames constitucionais do país e à autoridade do governo legal (é muito difícil, reconheço, considerando-se que a racionalidade não desempenha papel importante no jogo dos partidários extremistas do Islã; mas quais as alternativas?).
Os debates na ONU acerca da composição e do mandato da força multinacional prevista colocam a França como seu provável comandante e a Turquia como um dos maiores contribuintes de tropas. O que parece ser adequado, dadas as ligações (históricas e emocionais) entre a França e o Líbano e o liame apertado entre a Turquia e Israel.
Contudo, as pré-condições impostas pela França para sua participação no esquema sugerido, ou seja, que antes de mais nada se chegue a um acordo político, sugere que ela não quer se arriscar a ter de combater, o que é passível de transfigurar a nova força expedicionária aventada em não mais que uma versão inflacionada da UNIFIL.
Os turcos, por outro lado, devem ser recebidos, como são, com muita esperança, dado que as tropas anatólias possuem ferocidade e obstinação comprovadas, e considerando que a Turquia faz parte da OTAN e tem experiência em manutenção da paz no Afeganistão.
A contribuição turca poderia ser reforçada, por exemplo, por contingente de peso de outro país muçulmano com reputação militar séria e de respeito, como o Paquistão. Assim, haveria alguma esperança de que a força projetada possa se mostrar eficaz.
A OTAN pode, no momento, não ter condições de desempenhar um papel importante no caso, dado seu comprometimento já existente nos Bálcãs, em Darfur, no Afeganistão e no Iraque. Mas pode muito bem fornecer apoio logístico e de comando e controle.
Uma gigantesca força multinacional capitaneada pelos Estados Unidos foi despachada para o Oriente Médio com o objetivo de restaurar a soberania do Kwait, invadido por Saddam Hussein. Quinze anos depois, as Nações Unidas encaram, bem próximo, outro desafio à soberania nacional, desta vez cometido por um não-Estado, o Hezbollah, incentivado pelo Irã. O desaparecimento desse grupo militante islâmico, pelo menos como força militar, será também um grande passo para a contenção das ambições mais amplas dos extremistas xiitas.
Relativamente ao Irã, força religiosa-fundamentalista-estatal por trás da atual guerra no Oriente Médio, acredito que as ações diplomáticas do Ocidente e, mais amplamente, do mundo dotado do mínimo esboço de responsabilidade e racionalidade, devam ser, por exemplo, as discriminadas abaixo.
No contexto da guerra em curso, contudo, o Irã não é mencionado (nem alvo das iniciativas diplomáticas que surgem) com o destaque e relevo que lhe deveriam caber por se tratar de potência religiosa fanática profundamente entranhada na disputa pelo poder, corações e mentes da problemática região que, por suas ações, dessa forma incendeia.
Ora, este país fundamentalista islâmico é o principal mantenedor e incentivador do Hezbollah (com parceria acessória complementar da Síria), fornecendo-lhe armas, treinamento militar e aconselhamento de cunho, para todos os efeitos, impositivo. De fato, mesmo que o Irã não soubesse das ações intentadas pelo Hezbollah (o que é pouco crível), teria o poder de abortá-las se quisesse. Assim, o Hezbollah, a despeito de todo o seu poder, não passa atualmente de um
proxy do regime dos mulás, e de seus interesses em território libanês. E de um posto avançado, e armado, dos interesses iranianos na região. Em decorrência, o Irã, além do Hezbollah, deveria ser tratado como ameaça aos interesses ocidentais de estabilização do conturbado Oriente Médio, tanto pela diplomacia quanto pelo aparato de defesa do Ocidente. O Irã mais que o Hezbollah, por se tratar de um Estado-nação membro da ONU, por ser o patrono do Hezbollah, e por seu peso populacional, militar e político infinitamente maior (e não menos , por seu fanatismo religioso de Estado), transformando-o, na verdade, em um complicador de caráter mundial.
Acresce que o Irã está metido, faz já algum tempo, em outro
imbroglio de importância capital, crucial,
vis-à-vis a plataforma básica diplomática e de defesa do Ocidente e, pelas ominosas implicações estratégicas, de todo o mundo dito civilizado.