Wednesday, September 13, 2006

As Raízes do Islamismo

O jornal The Times de Londres publicou em 26 de junho de 2006 um extrato, intitulado The Roots of Islamism, do livro Celsius 7/7, de Michael Gove, lançado em 29 de junho por Weidenfeld & Nicolson, em que o autor proclama que o islamismo não é uma campanha para restaurar a devoção, mas um esforço revolucionário para transformar a sociedade.

O texto é muito instrutivo e interessante. Vamos a ele, que traduzi

A Primeira Guerra Mundial começou com o assassinato de Franz Ferdinand, a Segunda com a invasão da Polônia e a Guerra Fria com o bloqueio soviético de Berlim. A Guerra que o Ocidente agora enfrenta, o conflito que se tornou conhecido como a Guerra ao Terror, começou, aos olhos de muitos, em 11 de setembro de 2001, com o ataque da Al Qaeda à América. Mas, como o ataque a Pearl Harbor com o qual foi comparado, 11/9 não marcou o início deste conflito global, mas sim sua mais audaz escalada.

Bem antes do sucesso da Al Qaeda em seus esforços para trazer a guerra tão espetacularmente ao solo americano o assalto islamita vem avançando. Na década antes de 11/9 os combatentes islamitas tomaram posse do Afeganistão como uma base para suas operações globais, lançaram uma campanha para tomar o controle da Argélia, usaram o Sudão como plataforma de lançamento para a jihad, atacaram embaixadas americanas no leste da África e detonaram um explosivo que matou dezessete no destróier americano USS Cole enquanto ancorado ao largo da costa do Iêmen.

Antes desse assalto, os islamitas planejaram ataques sobre outros alvos americanos, incluindo um atentado para afundar o USS Sullivans em janeiro de 2000 e para detonar uma bomba no aeroporto de Los Angeles em dezembro de 1999.

As operações islamitas contra a América datam de tão longe no tempo quanto 1993, quando o primeiro assalto contra o World Trade Center foi lançado. Uma bomba plantada no estacionamento sob a Torre Norte matou seis e feriu mais de 1000 outras pessoas, mas os atacantes fracassaram em derrubar a torre.

Os Estados Unidos estavam muito longe de ser a única nação a ser tomada como alvo pelo terror islamita. Na Jordânia, os membros da Al Qaeda estabeleceram planos para bombardear quatro alvos ao tempo do Milênio. Identificaram o hotel Radisson na capital, Amã, a fronteira entre a Jordânia e Israel; o Monte Nebo, sítio sagrado cristão; e um local no Rio Jordão onde João, o Batista, teria batizado Jesus. Estes alvos foram selecionados na esperança de maximizar as baixas entre os turistas ocidentais em visita.

Os turistas ocidentais também foram vítimas de uma série de ataques no Egito.

Dezesseis cidadãos gregos foram mortos em 1996, nove alemães e seu motorista egípcio foram mortos em setembro de 1997 e em novembro desse ano 58 turistas e quatro egípcios foram massacrados perto de Luxor.

Desde o começo dos anos 1990 os combatentes islamitas também visaram, entre outras nações, a Indonésia, o Paquistão, Israel, Catar, Espanha, Rússia, Arábia Saudita, Turquia, Índia, Austrália e Quênia. Turistas, empresários, e viajantes de quase toda nacionalidade foram vítimas das atrocidades islamitas. Ataques foram planejados, e células terroristas estabelecidas, na Alemanha, na Itália e na França, bem como no Reino Unido e na maior parte do mundo árabe. Países com tradição colonial, e e os que nunca jogaram o jogo imperial, países que são cristãos, muçulmanos ou multi-confissionais, nações que apoiaram a guerra do Iraque e as que a ela se opuseram, todas foram visitadas pela sombra da violência islamita.

As raízes do atual assalto islamita são várias. Mas, onde quer que os islamitas golpeiem, quem quer que eles visem, e qualquer que seja a interpretação colocada acerca de seus atos por comentaristas na sociedade que foi atacada, eles estão unidos em uma única campanha por uma ideologia comum.

A transmissão da justificatificativa póstuma de Mohammed Siddique Khan ligou explicitamente seus atos à campanha empreendida pelos líderes da Al Qaeda, Osama bin Laden, Ayman al-Zawahiri e Abu Musab al-Zarqawi. Seu alistamento como um soldado foi impulsionado , ele explicou, por sua religião "islã - obediência ao único Deus verdadeiro, Alá, e seguindo as pegadas do profeta final e mensageiro Maomé". Os terroristas responsáveis pelo atentado a bomba aos trens em Madri foram, segundo a polícia Bósnia, treinados em campos da Al Qaeda vesse país. Eles também estavam, de acordo com fontes da inteligência britânica, trabalhando em cooperação com um combatente da Al Qaeda síria que, depois de dirigir operações na Europa, acredita-se estar agora no Iraque.

Mesmo onde não esteja estabelecida ligação explícita entre células terroristas e operadores conhecidos da Al Qaeda, o estilo operacional, a retórica política e a justificativa ideológica empregados pelos diferentes combatentes islamitas sublinham seu enfoque compartilhado. Dos assassinos do Hamas em Gaza aos terroristas do Hezbollah no Líbano e "soldados" islamitas por todo o Sudeste Asiático, da Indonésia às Filipinas, há uma impiedade na seleção dos alvos civis, reforçada por uma vontade de abraçar o suicídio a bomba, uma crença de que a influência ocidental precisa ser limpa das terras muçulmanas e um desejo de ver uma forma estreita e altamente politizada do Islã imposta em todo o mundo muçulmano.

A natureza global e interconectada da campanha de terror islamita só pode ser compreendida pela imersão na ideologia totalitária que impele os guerreiros jihadistas. Enquanto eles se autoproclamam soldados pelo islã não representam a maioria da opinião muçulmana. Longe disso. Os islamitas são uma vanguarda autoconsciente que despreza os outros muçulmanos e considera a maioria de seus correligionários imersa no barbarismo ou no erro.

O islamismo não é o islã em armas, é um credo político que perverte o islã, assim como o fascismo degradou o nacionalismo e o comunismo traiu o socialismo. Seu espírito animador não é a piedosa devoção do crente que encontra na contemplação, na caridade e na oração tanto a gratificação quanto a inspiração. O islamismo atrai aquela parte da alma humana que foi sempre capaz de ser seduzida para a revolução, pela violência e pela exaltação do ego por meio da associação aos eleitos. Há aspectos no islamismo que lhe emprestam a mesma atração que seduziu jovens ao ingresso nos Guardas Vermelhos ou nas Waffen SS, mas existem também aspectos específicos na ideologia que a sintonizam com os descontentamentos e ânsias dos jovens em nosso tempo.

Antes de pensar no islamismo como uma variante de uma grande e antiga fé é melhor vê-lo nos termos definidos pelo historiador italiano do fascismo, Emilio Gentile, que explicou que o totalitarismo é "uma experimentação em dominação política empreendida por um movimento revolucionário que aspira a um monopólio de poder. Ele busca a subordinação, integração e homogeneização dos governados na base da politização da existência, interpretada de acordo com os mitos e valores de uma religião política. O totalitarismo tem o objetivo de conformar o indivíduo e as massas através de uma revolução, com o propósito de regenerar o ser humano e criar o novo homem. A meta final é criar uma nova civilização ao longo de linhas expansionistas além do Estado-nação.

Os islamitas acreditam no reordenamento da sociedade para garantir a total submissão a uma interpretação estreita, puritana e fundamentalista do islã. Eles estão conduzindo uma guerra civil dentro do mundo islâmico, projetada para derrubar os regimes existentes, que consideram ser imperdoavelmente apóstatas, e substituí-los por um só Estado islâmico unificado, o Califado restaurado. Os islamitas crêem que a santidade e a cultura das terras muçulmanas estão ameaçadas e maculadas por influências ocidentais, do capitalismo ao feminismo, que têm que ser erradicadas.

Esse processo de limpeza tem que ser realizado por violência suicida, porque, nas palavras do mais influente pensador do islamismo, Sayyd Qutb, "a morte daqueles que são mortos pela causa de Deus dá mais ímpeto à causa, que continua a florescer no seu sangue".

O derramamento de sangue não deve parar nas atuais fronteiras do islã. Não apenas porque as nações que não são islâmicas constituem a dar-al Harb, a Casa da Guerra, que constantemente ameaça a segurança do mundo muçulmano. Mas também porque os islamitas são impulsionados por uma divina missão para garantir que toda a Terra, no tempo devido, aprenda a se submeter ao governo islâmico.

A crença em que a soberania do islã é necessária e total em todo o globo foi poderosamente exibida no programa de TV da BBC Newsnight, em fevereiro de 2006. Anjem Choudray, um dos líderes do grupo islamita britânico al-Ghurabaa, rejeitou a sugestão de que poderia ser mais feliz perseguindo seu enfoque fundamentalista à religião e à política fora cultura política secular e liberal do Reino Unido. A Inglaterra, ele informou aos telespectadores, "pertence a Alá". E, caso não avaliássemos quão longe caímos dos padrões de Alá, e seus, Choudray rejeitou totalmente qualquer noção de acomodar suas crenças e práticas às normas de nossa sociedade democrática, argumentando, "se vocês me colocassem na selva, eu deveria me comportar como um animal? Claro que não."

A franqueza de Choudray em reclamar a Inglaterra para Alá e condenar os atuais costumes ocidentais como bestiais podem ser chocantes, mas não deveriam ser surpreendentes. Pois não há nada escondido ou esotérico acerca do enfoque islamita.

A escala, a abrangência e a ambição do pensamento islamita não se escondem em qualquer protocolo secreto ou codificadas em obscura escritura. São proclamadas livremente e completamente nos discursos e nas transmissões de ideólogos islamitas de Osama bin Laden a Anjem Choudray e delineadas nos extensos textos dos ideólogos fundadores do islamismo.

Mas há uma cegueira voluntária entre muitos no Ocidente que se recusam a reconhecer a natureza totalitária da ideologia que propele os guerreiros jihadistas. Apesar de as prateleiras de qualquer livraria ocidental se vergarem ao peso de textos que registram as crueldades e o barbarismo infligidos pelo totalitarismo no século XX, parece haver uma notável relutância em aceitar que o pensamento totalitário poderia estar por trás da crueldade e do barbarismo contemporâneos.

Ao invés disso, os comentaristas ocidentais atribuem a violência islamita a ressentimentos específicos, discretos, como a presença de tropas americanas em solo saudita, o fracasso em estabelecer um Estado palestino árabe ou a pobreza material dos povos árabes. Em toda circunstância a culpa pela violência islamita é colocada na porta do Ocidente, por fracassar em fornecer "justiça".

É um notável comentário sobre o estado do pensamento analítico no Ocidente que, quando confrontados com assassinos de massa, que espalhafatosamente proclamam a base ideológica de seus atos e profetizam a vitória com base na fraqueza ocidental, os pensadores ocidentais respondam pela denegação das motivações ideológicas de seus atacantes e, ao contrário, culpam o Ocidente por atiçar os ressentimentos.

A crença em que a violência islamita pode ser explicada por esses fatores é tão despropositada quanto a dos anos 1930, em que o nazismo poderia ser compreendido como simplesmente uma resposta às injustiças percebidas do acordo de Versailles, que poderiam ser mitigadas pela re-união dos alemães dos sudetos a seus primos bávaros.

Essa resposta, a clássica tentação dos apaziguadores, trai uma profunda incomprennsão da mentalidade totalitária. Os nazistas não puderam se satisfazer pelo assentamento razoável de disputas de fronteiras. Eles eram motivados por um sonho totalitário de um Reich de mil anos, purgado de influências judias e bolcheviques, em que a virilidade ariana poderia florescer. As suas ambições territoriais dos anos 1930 não eram um fim em si mesmas, mas mecanismos para testar a determinação de seus oponentes. O sucesso de Hither em realizar seus objetivos territoriais interinos denotou, para sua própria satisfação, a frouxidão do Ocidente, o incentivou a ir além e criou uma sensação de ímpeto para a frente que silenciou a oposição interna.

Os jihadistas hoje em dia não estão empenhados em conduzir uma série de lutas de libertação nacional que, se cada uma delas fosse resolvida, levaria à paz na Terra e à boa-vontade para todos os infiéis. Eles processam uma guerra total a serviço de uma ideologia impiedosa. É apenas pela compreenssão de que o inimigo que enfrentamos é um movimento totalitário integral que podemos começar a avaliar a escala do desafio que devemos confrontar.

Enquanto muitos atos jihadistas - desde as decapitações rituais à invocação da escritura antes da batalha - podem parecer regressões ao medievalismo, o sistema de crença islamita é tanto um produto da modernidade quanto o capitalismo, o liberalismo e o feminismo que os guerreiros de Alá abominam. É apenas pela investigação de suas semelhanças com outros totalitarismos modernos, e de seus desvios deles, que podemos desenvolver uma resposta apropriada.

O islamismo é um fenômeno do século XX. Como suas ideologias irmãs, o fascismo e o comunismo, oferece aos seguidores uma forma de redenção através da violência. Como o fascismo, o islamismo vislumbra a criação de um reino purificado, expurgado das influências externas tóxicas e da corrupção interna. Como o comunismo, o islamismo não é etnicamente exclusivo, busca alistar novos convertidos pelo proselitismo, educação política e avanços militares. Como ambos, ele reserva um ódio especial ao Ocidente, à liberdade política, à separação dos domínios público e privado, à dissenção, à tolerância sexual e à crença na santidade da vida individual. E como ambos, encontra uma sombria e furiosa energia no ódio direcionado ao povo judeu.

O comunismo, o fascismo e o islamismo, todos foram respostas, de fato reações, ao pensamento do Iluminismo. As raízes intelectuais do comunismo jazem, naturalmente, nas obras de Marx e Engels. Mas o trabalho deles saiu do fermento na esquerda no início do século XIX e do alicerce colocado por pensadores como Proudhon. A obra de Marx e Engels, por sua vez, foi desenvolvida por seus discípulos, desde Lênin e Ho Chi Minh até Louis Althusser e Che Guevara. O fascismo derivou da "ciência" racial do fim do século dezenove, ela mesma uma forma de darwinismo pervertido, do pensamento anti-liberal de críticos alemães do Iluminismo como Herder, e da celebração da violência avançada pelo italianos "futuristas" e pelos alemães ultra-conservadores como Heidegger, Schmitt e Junger.

Os pensadores responsáveis por moldar o islamismo como agora o conhecemos são o fundador da Irmandade Egípcia, o egípcio Hassan al-Banna, o principal teórico da Irmandade , Sayyd Qutb, e o ideólogo paquistanês Abul Al'a Mawdudi. Juntos eles exercem uma influência enfeitiçadora, e diretora, nas fleiras de terroristas islamitas que conduzem a jihad que enfrentamos hoje.

É importante entender que o islamismo não é a mesma coisa que o fundamentalismo islâmico. Todos os islamitas são fundamentalistas, mas nem todos os fundamentalistas são islamitas. O fundamentalismo é um fenômeno especificamente religioso, o islamismo é um programa político. Ele é informado por uma visão da raça humana permeada pelo pensamento religioso tradicional, fundamentalista.

Mas o islamismo recebe força especial por sua coopção do ardor revolucionário comum a outros totalitarismos do século vinte.

O Islã, como outras grandes religiões, experimentou ciclos de crescimento, declínio, reinterpretação e revivescência. Em vários pontos os pensadores islâmicos atraíram os crentes de volta ao que eles argumentam ser os princípios fundadores e as verdades fundamentais da escritura.

No século IX Ibn Habal pregou contra inovações na lei e no pensamento islâmicos, convocando os fiéis de volta às interpretações tradicionais do Corão.

No final do século XIII e no começo do XIV Ibn Tamyyah liderou uma rejeição similar de tentativas de atualizar e reinterpretar o que ele considerava as verdades essenciais e perfeitas do islã aborígine. E no século XIX Muhammad Ibn Abd Al-Wahhab liderou outra campanha para expurgar o islã de inovações e restaurá-lo à pureza pristina de seus textos fundacionais. Cada um desses movimentos, como processos paralelos no judaísmo e no cristianismo, buscaram resgatar os crentes da heresia pelo reenraizamento em suas verdades fundadoras.

O islamismo contemporâneo extrai inspiração dessa forma puritana no pensamento islâmico, mas é mais do que apenas uma forma de revivescência religiosa. É um movimento especificamente político que vê a resposta para todo problema social, cultural e moral na implementação de um programa político derivado de rígidos princípios islâmicos e imposto pela ponta de uma espada. O islamismo não é uma campanha para restaurar a piedade através do ensino, da pregação e do encorajamento à devoção privada. É uma tentativa revolucionária de refazer a sociedade, pela argumentação certamente, mas também inevitavelmente pela força, com o fim de garantir a completa submissão a uma divindade unicamente austera e militarista.















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