Friday, September 08, 2006

Propensão ao Desastre

A revista Foreign Policy, da Carnegie Endowment for International Peace, publicou em sua edição de maio/junho 2006, a segunda classificação anual dos Estados segundo seu Índice de Estados Fracassados, relativo a 2005. O índice aponta a propensão que um Estado teria ao conflito interno violento e à disfunção social, baseado em 12 indicadores de instabilidade: sociais, econômicos, políticos e militares. Quanto maior a nota agregada dos 12 itens (cada um com até 10 pontos) de um país, maior seria sua tendência à desagregação. Os indicadores vão das pressões demográficas, da existência de refugiados e pessoas deslocadas, dos ódios grupais, da economia, até o aparato de segurança e a faccionalização das elites.

Estado fracassado, por definição do estudo, é aquele no qual o governo não tem controle efetivo do seu território, que não é considerado legítimo por parcela significativa da sua população, não fornece segurança doméstica ou serviços públicos básicos a seus cidadãos, e que não possui o monopólio do uso da força. Um Estado em processo de desmoronamento pode experimentar violência ativa ou simplesmente ser vulnerável à violência. A grande maioria dos Estados listados no Índice não é no presente de Estados fracassados. O índice mede a vulnerabilidade ao conflito interno violento. É um índice de risco de país, não de países que já tenham fracassado.

Assim, para 2005, o país mais à beira do abismo seria o Sudão, somando 112,3 pontos. E o mais estável a Finlândia, com cerca de 20. (Para ver a classificação geral acesse www.ForeignPolicy.com ou www.fundforpeace.org.)

Há coisas interessantes no Índice de 2005: nos Estados Unidos, o furacão Katrina expôs buracos enormes no preparo do país de enfrentar o desastre; dois meses depois, distúrbios violentos na França paralizaram partes do país e puseram a nú profundas fissuras entre os imigrantes muçulmanos e o resto da sociedade francesa. Parcialmente como conseqüência desses eventos, os EUA e a França tiveram resultados piores do que os de outros países ricos, industrializados (a Finlândia, a Suécia e a Noruega emergiram como os mais estáveis).

O Brasil até que está relativamente bem colocado; não está entre os 60 países mais instáveis. Estes incluem, por exemplo: Coréia do Norte (fila 14, nota 97,3); Nigéria (22; 94,4); Colômbia (27; 91,8); Indonésia (32; 89,2, com o Egito na fila 31, nota 89,5, e a Síria na 33, nota 88,6); Rússia (43; 87,1); Irã (52; 84,0); China (sim, ela mesma, a China: fila 57; nota 82,5); o último dos 60, ou seja (de acordo com o trabalho), o país com menor tendência dos 60 a implodir, é a Nicarágua, com nota 82,4.

A seguir, as razões apresentadas pelo estudo para o aumento e a queda na vulnerabilidade de alguns países em relação às suas classificações em 2004.

O ano passado não foi bom para muitos gigantes do mundo em desenvolvimento. Não é surpresa que Estados enormes enfrentem sérios desafios derivados da mudança demográfica, da grande desigualdade econômica, e de divisões étnicas e religiosas. Mas, como aponta o índice, igualmente importante é a maneira pela qual os governos respondem ao golpe da dificuldade.

O Paquistão, com uma população de mais de 160 milhões, caiu 13 pontos no índice, isto é, teve sua nota aumentada de 13 pontos. O terremoto de outubro de 2005, centrado na Caxemira administrada pelo Paquistão, deslocou dezenas de milhares e provocou um desastre humanitário que o governo teve dificuldade de enfrentar. Não foram apenas atos de Deus que aumentaram a vulnerabilidade do Paquistão. As fumegantes tensões étnicas e a incapacidade do governo de efetivamente policiar as áreas tribais próximas à fronteira afegã também contribuíram.

As dificuldades paquistanesas estão bem relatadas. Mais surpreendente é a derrapada da China no índice. Com sua economia florescente, poucos analistas classificariam a China como um Estado vulnerável, todavia seu resultado no índice caiu 10 pontos em relação ao de 2004. Por quê? A China testemunhou mais de 87 000 greves e protestos camponeses acerca de apreensões de terra no ano passado, assim como crescentes corrupção e desemprego. As cidades chinesas explodiram em tamanho, e aqueles que ficaram para trás têm sofrido enquanto secam os serviços governamentais e incorporadores imobiliários famintos agarram a terra. Os funcionários do Partido têm que encontrar novas maneiras para apaziguar as massas enquanto mantêm o motor econômico em alta velocidade.

O Estado mais populoso da África, a Nigéria, também tombou. A despeito de alguns passos em direção à reforma econômica e melhora nos direitos humanos, as fissuras regionais e religiosas do país o mantiveram à beira do abismo.O governo avalia que 3 milhões de pessoas foram deslocadas desde 1999. Tensões emergiram no Delta do Níger rico em petróleo. Tão explosivas são as questões de identidade que o governo adiou um censo nacional há muito atrasado. A inquietação em larga escala não apenas sacudiria os mercados mundiais de petróleo, poderia também criar um pesadelo humanitário além de qualquer capacidade de resposta do governo.

Houve alguns vencedores no índice de 2005, particularmente no Hemisfério Ocidental. Se bem que as políticas econômicas podem não ter beneficiado a maioria dos venezuelanos, sua escaldante retórica anti-americana com binada com os altos preços do petróleo o têm ajudado a solidificar o poder e estabilizar o país, pelo menos no curto prazo. A Guatemala e a República Dominicana também melhoraram significativamente em relação a 2004. E, nos Balcãs, o empurrão da União Européia ajudou a colocar a Bósnia-Herzegovina no caminho da recuperação.

A venalidade e a vulnerabilidade comumente viajam juntas. O índice de 2005 mostra uma forte correlação entre a percepção de corrupção da Transparência Internacional e a instabilidade de um Estado. Oito dos 10 países mais estáveis também aparecem entre os 10 menos corruptos. O Chile - amplamente reconhecido como o país menos corrupto da América Latina - é também o mais estável da região. O Paraguai, que tem uma grande economia "cinzenta", é um dos poucos países com terrível resultado de corrupção que não está à beira do colapso.

O Iraque e o Afeganistão podem ter se livrado de regimes abusivos, mas não se encontram no caminho da estabilidade - pelo manos ainda não. Ambos os países tiveram eleições bem-sucedidas e ambos têm novas constituições. Mas eles ainda se classificam entre os Estados mais vulneráveis do mundo, e seus resultados pioraram em relação aos de 2004.

Para o Iraque, a categoria do índice que mais piorou foi a fuga humana. O êxodo da classe profissional do Iraque se acelerou, deixando o país sem os cidadãos treinados de que precisa para ocupar postos importantes.

O dilema do Afeganistão é diferente. A queda do Taliban detonou um maciço retorno de avassaladoramente pobres refugiados afegãos do Paquistão e do Irã. Mas os profissionais afegãos, muitos estabelecidos nos EUA e na Europa, têm sido mais lentos em retornar. O resultado é a capital, Cabul, rasgando nas costuras mas carente de administradores treinados.

O índice de 2005 mostra alguns pontos luminosos no Iraque: o resultado do país relativo a serviços públicos melhorou marginalmente, e suas instituições pareceram ganhar mais legitimidade, talvez como resultado das eleições nacionais de que os sunitas participaram em grande número pela primeira vez. Os insurgentes, entretanto, trabalham duro para desfazer este progresso, e muitos iraquianos educados decidiram observar do exterior.

No Afeganistão, os sucessos do país - outra rodada de eleições, uma leve melhora em serviços públicos, e uma redução da desigualdade econômica - foram ofuscados pela continuada insurgência Taliban no sul e no leste. As táticas empregadas pelos experientes revoltosos iraquianos, incluindo bombas nas estradas e ataques suicidas, migraram para o Afeganistão. Isso dificilmente é o tipo de expertise de que precisa o país.

Quando as pessoas nos Estados frágeis votam, isso é comumente saudado como boas novas. Em 2005, mais de 50 milhões de pessoas em Estados politicamente vulneráveis visitaram a urna. Os resultados foram decididamente misturados. A votação tem várias virtudes, mas a promoção da estabilidade não é necessariamente uma delas.

Algumas vezes, a eleição exacerba perigosas divisões étnicas e religiosas. A frágil paz do Sri Lanka foi abalada depois que a maioria dos tamils boicotaram a votação de novembro passado. Muitos outros governos usaram as eleições como um verniz para esconder o autoritarismo à velha moda, incluindo a Etiópia, o Irã, o Tajisquistão, Uganda, Uzbequistão, e o Zimbábue. Os políticos de oposição em cada país enfrentaram a intimidação ou a violência com a aproximação das eleições e perspectivas de estabilidade agora parecem desanimadoras. O Zimbábue, em particular, está no limiar do desastre.

Em alguns casos, na verdade, as eleições ajudam na rota para instituições estáveis. A Indonésia, por exemplo, passou por sua primeira disputa presidencial de todos os tempos em setembro de 2004. O presidenteSusilo Bambang Yudhoyono tem recebido, de maneira geral, altas notas, e muitos dos indicadores políticos do país melhoraram no índice de 2005. Na Libéria, a dramática vitória de Ellen Johnson Sirleaf, a primeira mulher eleita chefe de Estado na África, foi um raro momento luminoso nesse conturbado país.

Se as eleições raramente curam rapidamente sociedades alquebradas - e podem piorar as coisas - ainda vale a pena atravessar os processos democráticos? Em um mundo ideal, sociedades em transiçãopoderiam adiar eleições divisivas até que questões fundamentais de religião, etnicidade e identidade tenham sido resolvidas.

No mundo real isso é impossível. O desejo de votar é tão grande e a pressão internacional pela democratização tão forte que os países são forçados a fazer experimentos com formas de democracia antes de dominar sua substância.

As crianças podem ser o futuro, mas os países jovens freqüentemnete têm pouco a seu favor. Os países mais vulneráveis no índice têm todos populações extremamente jovens, e a maioria tem uma idade média de menos de vinte anos. O país menos estável do mundo, o Sudão, tem uma idede média de 18 anos. Todos os países mais estáveis têm médias de idade superiores a 33 anos. O antigo mundo comunista, todavia, possui uma população em envelhecimento acoplada a freqüentemente fracas instituições. Crises de pensões nesses países podem se tornar particularmente severas, enquanto governos frágeis têm dificuldades em fazer as pontas se encontrarem.

Manter boas relações com Estados vizinhos é difícil nas melhores das circunstâncias. Disputas de fronteiras, competição econômica, o contrabando e tensões étnicas podem esgarçar mesmo fortes laços de vizinhança. Compartilhar uma fronteira é muito mais complexo quando seu vizinho é um Estado fracassado.

Alguns países estáveis têm Estados desmoronantes à sua porta. A África do Sul, uma usina regional, compartilha uma fronteira de cerca de 250 km com o destroçado Zimbábue de Robert Mugabe, que caiu 14 pontos no índice de 2005. A repressão política de Mugabe e políticas de terra maléficas têm enviado um fluxo semanal de 1000 cidadãos para a África do Sul. Na Península Arábica, o relativamente próspero e moderado Omã está situado próximo ao Iêmen, que é acossado por extremistas islâmicos e governança fraca. Talvez o estranho casal mais importante e volátil esteja na Ásia Oriental, onde as Coréias do Sul e do Norte olham furiosamente uma para a outra através da fronteira mais militarizada do mundo.

Tecer uma estratégia relativa a um vizinho em declínio é um processo delicado. Um enfoque tentador é fechar as escotilhas, garantir as fronteiras e tentar colocar o Estado fracassado em quarentena para que seu fracasso não vaze. O Omã, por exemplo, selou sua fronteira com o Iêmen. Mas o isolamento raramente funciona. Mesmo as fronteiras mais seguras podem vazar refugiados, criminosos, e drogas (do que dá testemunho a experiência dos EUA com o México). A ação militar total para substituir um governo em desmoronamento ao lado por algo mais palatável foi tentado, como quando a Tanzânia invadiu a vizinha Uganda para derrubar Idi Amin Dada em 1979. Mas a intervenção militar é uma opção perigosa e cara, de resultados altamente incertos.

Freqüentemente, o vizinho mais estável tenta amparar o Estado em decomposição na esperança de que o tempo o curará. O governo da África do Sul, por exemplo, tentou proteger o regime de Mugabe de sanções internacionais, talvez temeroso de que medidas mais firmes empurrasem o Estado para o abismo. De maneira semelhante, Seul resistiu à pressão dos EUA para um posicionamento mais duro contra Piongiang enquanto a Coréia do Norte persegue a posse de armas nucleares. Mudanças de regime podem atrair países a milhares de quilômetros de distância, mas raramente é uma escolha popular para o país da porta ao lado.





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