Sunday, August 27, 2006

A Vitória Escondida

É voz corrente nos comentários da mídia internacional que o Hezbollah foi vitorioso no recente confronto militar (e político) com Israel.

De fato, só se lê e se ouve e vê que o Hezbollah ascendeu como força política no Oriente Médio e que sua milícia deu uma lição de força, inteligência, capacidade, disciplina, organização e estratégia às IDF. E que, para contrabalançar, Israel decaiu politicamente e foi humilhado militarmente.
Em suma, que Israel perdeu a batalha político-militar recém-"finda" pela aceitação da Resolução pertinente do Conselho de Segurança pelos beligerantes, Israel e Hezbollah (como se o "Partido de Deus" fosse um Estado participante da ONU).

(Realmente, deve ser reconhecido que o Hezbollah parece ter sido um inimigo muito mais resiliente, forte e capaz do que esperavam as forças israelenses; e muito melhor armado. Essa percepção foi de todos, inclusive de Israel e, mesmo, segundo várias declarações de porta-vozes, de suas forças armadas e estrategistas militares.)

Quanto à impressão de que Israel perdeu a guerra, ela não pode deixar de ser falsa, por ilógica, apesar da quase unanimidade nesse sentido de toda a imprensa internacional (na verdade, não conseguí ler nada contra essa suposição errada): desde os jornais árabes do Egito, da Jordânia, da Arábia Saudita (estes, claro,oficiosos) até a crême de la crême dos jornais e revistas ocidentais, japoneses, russos, sul-coreanos, incluindo os de Israel...

Ela é, com efeito, uma percepção absolutamente equivocada, desprovida de fundamento lógico.
Ora, essa avaliação negativa equivaleria a dizer que Israel teria invadido o sul do Líbano e atacado o Hezbollah impensadamente, como um touro bravio, em conseqüência das escaramuças fronteiriças provocadas pelo Hezbollah e que culminaram na morte de oito soldados israelenses e no seqüestro de outros dois.
Ao contrário, Israel atacou sim, mas de caso bem pensado. É claro que esse motivo alegado para o golpe israelense não passou de mero pretexto para Israel, aguardado com atenção, ansiosamente.
Os planos (com muitos defeitos, segundo vários estrategistas militares israelenses, principalmente relativos à escolha quase total da guerra aérea) bélicos estavem prontos, os alvos escolhidos, a estratégia e as táticas delineadas. Não poderia ser de outra forma: não é possível lançar um ataque de tamanha envergadura da noite para o dia.
O ataque rompeu como um raio em céu azul: de repente, totalmente inesperado por todos os observadores, avassalador. Logo nos primeiros dias até o aeroporto de Beirute foi atacado pela aviação militar de Israel. Os observadores árabes, e mesmo de todo o mundo, consideraram a retaliação do Estado judeu "desproporcional", irrazoável (como se existisse alguma norma internacional de proporcionalidade e de razoabilidade na guerra, padrão que, de resto, teria sido, como sempre foi, de qualquer maneira desprezado pelo Hezbollah, que não representa qualquer Estado do planeta).

O segundo homem na hierarquia do Hezbollah confessou aos jornalistas, logo no início da "guerra", que o ataque fora "inesperado". Declaração que não foi surpreendente, dado o imbroglio israelense em outra frente, na Faixa de Gaza (por que ousaria Israel, por motivos iguais, agir de forma mais assertiva, criar outro problema muito maior em outro flanco?). Disse o representante da milícia que o normal seria haver negociações, comuns em outra ocasiões semelhantes, com interveniência de outros Estados, como, por exemplo, a Alemanha, em caso recente de troca de reféns.
Se ele declarou isso é porque Hassan Nasrallah também foi surpreendido pela virulência, pela instantaneidade, qual o bote de uma serpente, do ataque de Israel.
(A propósito, algumas horas depois de terminar de redigir completamente este texto, ví por acaso, hoje, 27 de agosto, na BBC, no que considero coincidência espantosa, afirmação do capo da organização, do próprio Nasrallah, de que jamais teria concordado com a violação da fronteira e o seqüestro dos soldados de Israel se imaginasse o tamanho da reação de Israel. Faço aqui e agora a inserção desse fato, que corrobora plenamente o relato acima referido de seu lugar-tenente.)

Logo, o Hezbollah, estupefato, foi apanhado na mais completa surpresa; e os israelenses se aproveitaram ao máximo dessa surpresa, é elementar e evidente.
Assim, dificilmente as conseqüências militares dessa surpresa deixariam de provocar resultados impactantes: bons para Israel, deletérios para o Hezbollah. (Ainda mais levando em conta a reconhecida excelência e nível de preparo da máquina militar do Estado judeu, a par da qualidade de seus serviços de inteligência.)
Esses resultados ocorreram.
Fazem agora parte da história.
É impossível o retorno ao status quo ante.
Pode ser dito, portanto: "Alea jacta est".

Tanto é assim que, ao contrário do que todos esperavam, o Hezbollah aceitou de pronto os termos da Resolução do CS que deu "fim" ao conflito, e que exige a remoção da milícia xiita da faixa conflagrada, a ser substituída pelo exército libanês e tropas internacionais sob a égide da ONU (prevendo inclusive o desarmamento do Hezbollah pelo exército do Líbano: fantasia pura, creio).
E a concordância da milícia xiita libanesa aconteceu, espantosamente, a despeito da reafirmação peremptória de Israel de que só removeria suas tropas do conturbado Sul do Líbano após o posicionamento dos 15 000 mantenedores da paz da ONU no local, e apesar da assertiva da milícia islâmica do "Partido de Deus" de que só cessaria seus atos de agressão depois que as tropas israelenses se retirassem do Líbano.
(Os soldados de Israel ainda hoje permanecem no terreno.)
Dessa forma, apesar de sua retórica incendiária, o Hezbollah curvou-se, ou, por outra, foi forçado a se dobrar aos imperativos das razões táticas e estratégicas que lhe foram, apesar de tudo, impostas pela ação militar desencadeada por Israel, que conformou realidade objetiva bem diversa da pré-existente. Nova realidade objetiva muito menos complacente aos desígnios do Hezbollah, quaisquer que sejam.
Qual era o objetivo principal de Israel ao deflagrar o conflito? Isso só seus estrategistas militares e políticos sabem. Mas pode-se imaginar com boa dose de certeza que residisse na remoção dos milicianos da faixa de terra entre a fronteira de Israel e o rio Litani. Isso, tudo indica, Israel conseguiu (e, agora, com ajuda internacional).
Qual seu segundo objetivo? Também pode-se, razoavelmente, especular que seria a redução drástica do poder de fogo do braço armado do Hezbollah, pelo menos por alguns anos: o que as evidências apontam como realizado.
Afinal de contas, milhares de toneladas de bombas de alta potência explosiva projetadas sobre alvos do Hezbollah, guiadas por tecnologia de ponta, não são, absolutamente, inócuas: seguramente ocasionaram tremenda destruição nas instalações e hostes inimigas, além da devastação sofrida pela população civil inocente e pela infra-estrutura libanesas).

Qual era, e continua sendo, o principal objetivo do Hezbollah na guerra que Israel lhe impôs? Escapar da melhor maneira possível ao ataque em curso e, sendo viável, contra-atacar, recuperar posições perdidas e infligir perdas máximas ao invasor atacante.
Mas, quem é golpeado e não tem poder material para o contragolpe corretivo, como é o caso do Hezbollah, não opera com objetivos estratégicos pré-existentes (existiam? Fora jogar os israelenses no mar, não se sabe). Estes simplesmente desapareceram.
Agora a estratégia do "Partido de Alá" é meramente sobreviver.
É o processo que vem ocorrendo no momento no Líbano, por trás das análises dos pundits.

Então, ao contrário do que apregoa a mais sofisticada mídia global, se houve um "vencedor" foi Israel; jamais o Hezbollah.

E sobreviverá o Hezbollah? Certamente que sim, mas em situação muito mais precária do que a que tinha antes.

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