Friday, September 01, 2006

Irã: Estratégia e Alucinação

O Irã começou um programa nuclear secreto, clandestino, em 1985, apenas seis anos depois da revolução político-religiosa fundamentalista que derrubou o regime de Pahlevi e levou o aiatolá Khomeini ao poder.

O Irã é signatário do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), que fixa normas de fiscalização internacional nas instalações nucleares dos países-membro, exatamente para impedir, ou tentar impedir, desvios de processo que possam levar ao uso bélico da tecnologia nuclear envolvida.
Tal fiscalização é executada pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), sediada em Viena (Áustria), que foi criada como agência especializada da ONU com funções de cão-de-guarda ("watchdog") a vigiar, rotineiramente, burocraticamente, os empreendimentos de base atômica existentes no mundo com o objetivo de detectar, em seu seio, a possibilidade de existência de programas clandestinos para fabricação de armas nucleares. Pressentida tal possibilidade pelos inspetores da AIEA, o país onde se localiza a instalação suspeita (que será submetida a fiscalização mais rigorosa) é alertado para que tome providências, verificáveis pela AIEA, para cessação da infração encontrada a fim de evitar as sanções previstas nas normas da agência internacional.
Mesmo que o país infrator não seja signatário do TNP (mais ainda por isso) sofrerá sanções da comunidade signatária, que tem meios outros de verificação que não a inspeção in situ; sanções estas graduadas segundo a gravidade percebida do delito.
O programa clandestino do Irã só foi descoberto pela AIEA em 2003, ou seja, 18 anos depois de iniciado, o que demonstra três coisas: em primeiro lugar a falibilidade do sistema de inspeção empregado pela Agência; em segundo, a incompetência dos técnicos nucleares do Irã ou a penúria de recursos do programa (ou ambos), pela falta de resultado decisivo depois de tanto tempo; por último, a esperteza dos funcionários iranianos de se esquivar dos intrumentos de detecção dos inspetores internacionais.
Assim, já faz três anos que o Irã vive às turras com a AIEA, inspirando temor aos seus vizinhos e preocupação ao mundo.
Apesar de, em decorrência do fanatismo religioso que dirige todas as instituições do país baseado nas máximas das leis corânicas pinçadas por seus líderes de acordo com seus interesses conjunturais de dominação da população, o Irã já ter sido catalogado pelos W+ como país rogue, ou seja, país bandido, canalha ou o que seja de ruim, sua insistência em programa clandestino de tão tétricas implicações o leva mais longe ainda no caminho da perdição: ao ponto de ser considerado um Estado pária.
Mas, por que o Irã desejaria produzir bombas atômicas? Em que a capacitação bélica nuclear do país poderia melhorar suas condições econômicas e sociais? O domínio da tecnologia de armas atômicas pelo Irã faria ascender seu prestígio nacional na região e no mundo? Seria este domínio tão importante sob o enfoque das trocas comerciais externas? Ou, como quer o Irã, indispensável para produção apenas de energia elétrica (logo o Irã, detentor de reservas de petróleo das maiores do planeta)?
Quanto à primeira pergunta, acredito que nem o próprio governo iraniano saberá responder de maneira convincente, mesmo para si próprio, mesmo sendo cruamente sincero; quero dizer, mesmo falando só para o "público interno", com toda a frieza estratégica, com todo o maquiavelismo que se possa imaginar, desconsiderando todos os custos e malefícios que adviriam das suas decisões (mesmo massacres de dezenas de milhares de seres humanos), sem quaisquer das amenidades paliativas inerentes, necessárias no discurso público nacional e internacional. De fato, essa obsessão do Irã pela posse de armas nucleares ultrapassa o campo da estratégia (inexplicável) para penetrar na esfera da alucinação.
Realmente, mesmo que, muito improvavelmente, sua estratégia atômica seja vitoriosa e Teerã consiga algumas bombas, estará ainda mais vulnerável: o Irã ficará mais propenso à desintegração proveniente do gatilho nuclear de outros países como EUA, Reino Unido, França, Rússia, China, Índia, Paquistão... Sem falar do mais incentivado, por motivos óbvios, a agir, Israel.
Que estratégia é essa que só pode vislumbrar resultados negativos para o país? Na guerra o Estado-Maior das Forças Armadas de um Estado beligerante adota, depois de muita análise e discussão, determinada estratégia, que visa objetivos claramente definidos, considerados "positivos" por definição: se alcançar todos, ou pelo menos a maior parte deles, a estratégia terá sido considerada um sucesso; caso contrário, se nenhum, ou muito poucos, for atingido, um fracasso.
(Há o caso extremo de os resultados se mostrarem, todos, exatamente o contrário do que a "estratégia" previa, numa troca aritmética de sinais: é o que parece ser o caso iraniano, um fracasso absoluto.)
Na questão nuclear iraniana não há, a priori, possibilidade alguma de que a "estratégia" há tanto tempo decidida possa ser capaz de redundar em qualquer tipo de sucesso objetivo. Então, a ação que vem sendo empreendida na área nuclear pelas autoridades do país islâmico não pode decorrer de qualquer coisa que possa ser chamada de estratégia, dado que (pelo menos na vida "normal") nenhuma estratégia é concebida para fracassar; pode provir, sim, da alucinação.
Há outras explicações para a atitude iraniana em foco, mas todas, com apenas uma exceção, de cunho psicanalítico, psico-social e onírico, imaterial (cuja análise demanda muito tempo e espaço; tentarei explorá-lo em outra postagem).
A exceção seria o desejo do Irã de lucrar com chantagem ao Ocidente, ou, de forma mais ampla, aos W+, como tenta fazer, com pouco sucesso, o assassino reino hereditário eremita da Coréia do Norte. Não acredito, todavia, nesta hipótese: o Irã é, na atualidade, infinitamente mais importante que o pesadelo de Kim Jong Il. Creio, de fato, que as razões subjacentes ao cometimento nuclear iraniano jazam no reino imaterial do psico-social, da psicanálise e dos sonhos.
(Os governos ditatoriais do Brasil e da Argentina foram também acometidos, em certa fase, por desejos de potência viril relativamente à mesma questão, derivados de análogo psiquismo onírico; o fenômeno parece, portanto, ser recorrente e estar afeto a governos ditatoriais, seculares ou divinos.)
Em relação a todas as outras perguntas acima, as respostas são retumbantes EM NADA e NÃO. Muito pelo contrário. O irã já é um pária internacional, cujos "amigos" são os componentes do "Eixo do Mal", agora acrescido da tropical Venezuela do exótico, perigoso Chávez. Sua situação vai piorar a cada dia que passa.
A toada começou com a revolução fundamentalista de Khomeini, que, fugido do xá Pahlevi, morava no Ocidente, por último em Paris. Logo em Paris, a antiga "Cidade Luz", de onde, principalmente, brotou, no século XVIII, o Iluminismo ou a Ilustração (daí seu cognome). De lá partiram, no caso, as trevas, em 1979: Khomeini utilizava, em notável paradoxo, a então tecnologia moderna em prol da regressão plena de seu país, enviando para o Irã fitas cassete de áudio com discursos incendiários provindos do próprio Alá apoplético, a cara mesmo do aiatolá, que propugnavam a derrubada do traidor Reza Pahlevi para a instauração do Paraíso islâmico persa. A propósito, a tecnologia ocidental, tão abominada pelos fundamentalistas, tem sido, paradoxalmente, por eles usada à exaustão em seus propósitos desestabilizadores e terroristas.
(Lembro-me bem de que, já perto de Khomeini sair de Paris, em triunfo, para Teerã, um iraniano que com ele conviveu muito tempo na capital francesa declarou à imprensa que ela, a imprensa, nada conhecia do aiatolá, e que ele era muito pior e mais doido do que se podia imaginar.)

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